Bar de Cidade Pequena.
Um poema escrito por Kaue Cadene, repensando "Tabacaria" de Álvaro Campos (vulgo Fernando Pessoa), só que, neste século e nesta cidade.
Me sento na sacada do apartamento;
A rua é escura;
Os de minha idade festejam no estacionamento, com som no carro;
Garrafas de Vodka, Whisky e Gin;
Abraçados, os manos, sem minas;
Com bons raps na caixa, mas poucas ideias na cabeça;
A rua é movimentada de um lado, escassa do outro;
O bar lotado mais adiante, com algumas luzes que se jogam ao céu noturno;
Contém Pessoas paradas na entrada, fumando;
Que sou de mim;
Apenas observador de vida? Em noites escuras? Distantes?
O celular com convites que não tive disposição de ir, pois não reuni vontade, o desânimo do trabalho já me roubara toda;
Nem Whiskys, nem Cigarros, somente um estômago vazio numa noite de Primavera, numa sacada escura, de uma rua chamada Getúlio Vargas, de uma cidade pequena, de um país em crescimento;
Olho o relógio, de que me importam as horas?
São vinte duas e treze e o relógio vai continuar tocando um tac para mais próximo de minha morte;
Que pensam os manos que festejam ao lado da catraca do estacionamento?
Se conhecem e se sabem, se consideram gênios na noite? Com musica alta e ensurdecedora? Logo polícia bate;
Será que tem relógios? Que contam que estão morrendo?
Talvez, mas não estão sozinhos, que contem isto uns aos outros;
São uma dúzia, um para cada hora do relógio de ponteiros, caso morressem um por hora até metade do próximo dia;
Que penso eu? Falando da morte dos que festejam?
Talvez espero que gritem a resposta da minha vida;
Ou da minha solidão na sacada do apartamento;
Passa três garotas na rua;
Demasiadamente bêbadas, pois uma cai;
Oferecem ajuda os manos? Talvez, não decifro os sons;
Não, não oferecem, assediam, mas elas se defendem e correm;
Ergo-me com raiva, mas logo me sento, não posso fazer nada aqui de cima;
Atacar uma pedra, quem sabe?
Não! São doze, podem jogar outras doze pedras contra mim;
Covarde, bate a sensação em meu peito;
Tento afasta-la, digo a mim que nada poderia fazer;
Ela bate novamente, com mais força, enquanto vejo as três moças se afastando em segurança para farmácia;
Cale a boca, sussurro, olhando para a outra cadeira vazia ao meu lado direito.
(Covardes e fracos se entregam ao nada da vida)
Insuportando o pensamento, atiro a cabeça para trás e fecho os olhos;
Volto, pois novos barulhos no estacionamento;
Nova música dos manos;
Não, gênios não foram, se não, não teriam feito;
Mas do que me cabe pensar que gênio poderia ser eu? Que nada fiz?
Vai te ao inferno com esta dúvida. Volto para dentro;
A sala com a televisão desligada;
Me aproximo e ligo;
A TV me engole com suas bordas redondas e as cores cegam meus olhos por um momento;
Os noticiários engolem minha cabeça, então eu os passo;
Propagandas de chocolate;
De outras televisões;
De novos carros;
De novos sapatos;
De novos apartamentos;
De novas ruas;
De novas avenidas;
De outras pequenas cidades;
De outros países em crescimento;
Vai te ao fim do mundo, me larguem - Não quero saber de mais nenhum canto - Não quero pensar, quero saber o que sou? Não quero ser observador de pessoas na rua, nem um covarde, muito menos um apaixonado por comerciais.
Músicas que nenhuma voz humana nunca cantou ou compartilhou;
Inundam minha cabeça;
Desligo a televisão;
Novamente o apartamento escuro;
Vozes no corredor;
Luzes que invadem por baixo da porta;
Abro, encaro timidamente;
Pego a chave e me esgueiro para fora;
Tranco e deslizo para o elevador;
Saio de frente para o estacionamento;
Passo pelos manos;
Com a pedra na cabeça, não nas mãos;
Estão entorpecidos demais;
Nem me notam;
Voo pelo asfalto;
Passo a farmácia, com as três moças lá dentro;
Bem, o resto não me importa, sigo a avenida;
Casais abraçados passam e me cumprimentam;
Estudei com Gabriel, no ensino médio;
Ele para e me sorri;
"Adeus, Gabriel", digo eu, e ele sorrindo se despede também, com sua esposa, ou o que quer ela seja;
Ele caminha com o passo sincronizado como tacs de um relógio de ponteiros, na rua de um país em crescimento;
Sincronizado com sua morte e sua vida;
Paro ao estabelecimento;
Olho para o movimento em sua frente;
Desço ao bar da avenida;
Música ao vivo;
Sinuca nas mesas;
Trucos no canto;
Pessoas se beijando;
Peço dois cigarros;
Um para mim;
Um para ela;
Que ela? Sentei-me sozinho a noite toda;
Olho ao redor, troco olhares com uma moça, na entrada, sentada numa mesa com as amigas;
Pego os dois cigarros;
Me sento no canto;
Peço um Whisky, dos de pior qualidade, pois não recebi ainda;
Mando entregar um drink na outra mesa;
Melhor que um Whisky;
O Garçom viaja tão depressa por entre pessoas;
Sabem todas elas o que são? Reis e Rainhas da noite;
Eles caminham com tanta certeza do que são, do que bebem e do que respiram;
Começo a ficar um pouco sem fôlego, com a sensação.
Serei eu o único que não me sei?
Todos olham para mim e sabem o que sou – uma figura no canto, pequena, com um whisky, um penteado feito na barbearia da outra avenida e um bigode sem graça;
E todos os outros são pra mim, figuras que não estão no canto, figuras com certezas, com movimentos, com danças e outros sorrisos, outros penteados;
O olhar da moça e sua mão quente me despertam do transe;
"Obrigado" ela diz, ainda com a mão na minha, agora sentada em minha mesa no canto;
Com suas amigas rindo em nossa direção;
Nós conversamos e trocamos afeto;
Ela fala que não tem a noite toda, que os pais não sabem que ela está aqui, que talvez precise voltar novamente para a jaula chamada de casa, que aprisiona-a tanto;
Me importo? Talvez, achei curioso;
Falo que só desci para buscar um cigarro;
Ofereço um;
Ela aceita;
Eu mostro o apartamento pela janela;
Ela diz que parece legal, talvez seja, ou talvez eu que esteja tão decrépito de mim mesmo que olho para ele como se fosse, assim como a casa dela, outra jaula.
Eu faço o convite;
Ela aceita;
Nós subimos para a sacada e para as cadeiras;
Eu me sento na da esquerda, ela na da direita;
Ela me conta suas angústias e sua história;
Eu conto as minhas, e daquela noite, por algum motivo, fazia sentido falar daquela noite;
Da rua escassa;
Dos festejantes que já sumiram do estacionamento;
Das garotas da farmácia;
Da televisão infinita;
Ela me conta e ria e nós fumávamos até pulmão ficar escuro;
E ela fala de suas histórias na rua;
Eu falo das minhas, no condomínio;
Ela fala dos bares que frequentou;
Eu gosto do bar da avenida;
Ela fala dos estacionamentos de shopping;
E eu falo da catraca enferrujada do meu;
A rua deixara um pouco de ser tão escassa após a visão dela;
E a avenida, numa cidade pequena, num país em crescimento, se tornou singular de formas que mesclamos ideais;
O apartamento meu, não era tão jaula quanto o dela, o que me deu um clique: amanhã pintaria ele de outra cor;
E mudaria os móveis de lugar;
E os quadros;
E talvez ano que vem mudaria de rua;
Ou de cidade;
Ou de país;
Ou das ideias sobre mim! Serei um novo por dia! Ou quem sabe, por estalar do relógio, pois assim como ela mudamos ideias e trocamos visões, pois bebemos whisky escondido dos pais;
Pois corremos por bares com tantas razões de si! E esquecemos que já temos razões diferentes de ontem e por isso, cada dia da terra, pisam sete bilhões de pessoas diferentes;
Ela beija meus lábios;
Nós sorrimos;
Ela se despede pois precisa fugir novamente para a garra da jaula;
Vejo andar pela avenida, ao encontro das amigas;
É meia noite e cinco;
E o relógio vai continuar tocando mais um tac para a história de minha vida;
Que eu,
não sou nada;
Pois no futuro, o relógio parará de contar para mim, para ela, para o próprio relógio, para o televisor, para o carro, para o sapato, para o apartamento, para a rua, para a avenida, para a pequena cidade, para os países em crescimento;
E eu, sendo nada, vou ter que dar um jeito de pensar em algo diferente;
Kaue;
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