Isto também há de passar [Impermanência]
Quando eu era ainda adepto ao budismo, ou pelo menos, mais próximo de acreditar nele, tal como um católico acredita no catolicismo, desbravei algumas religiões e escrituras orientais próximas. Agradeço a Buda tal por todas as forças que me deu em dias diferentes, hoje já não sei se passo de um agnóstico discreto, ou alguém muito esperançoso para achar algo no que acreditar, mas ainda escuto uma voz do Budismo que é muito forte.
Nessa viagem espiritual, tive contato com Rumi, um filósofo e poeta do Sufismo, religião oriental, vertente do Islã, a maioria das pessoas conhece por trajes e danças típicos que já apareceram muito na mídia e em filmes, só não fizeram a correlação direta com o nome da religião.
O Sufismo é extremamente lindo no pouco que conheci sobre ele, apesar de todo nosso preconceito como ocidentais sobre toda religião oriental e as falas comuns problematizando algumas escolhas dos países, tive o prazer de ser introduzido (num livro budista, por ironia) a um conto do sufismo chamado “Isto também há de passar”.
A história é mais ou menos a seguinte (vale a pena eu compartilhar com vocês):
Um jovem rei foi coroado ao trono para suceder seu falecido pai, era jovem, ingênuo de certa forma. Em uma das comemorações do castelo, anunciou a todos os presentes:
– Estarei criando um anel precioso. Consegui os melhores diamantes existentes. Quero esconder dentro do anel uma mensagem que possa me ajudar em momentos difíceis e que fique imortalizado em minha linhagem para também ajudar meus herdeiros. Precisa ser uma frase curta, que caiba no anel.
O Rei possuía diante de si as pessoas mais importantes, inteligentes e competentes de todo o reino e que, mesmo após tanto estudo, não conseguiam encontrar nada que coubesse num anel.
Um certo dia, um criado se mostrou presente ao salão real direcionando-lhe a palavra, era um dos criados de mais tempo do castelo, havia ajudado seu pai em muitas ocasiões, ajudou também na criação deste atual desde que havia nascido.
– Não sou nenhum sábio, vossa majestade, muito menos um estudioso, entretanto vivi muito tempo com seu pai e recebemos inúmeros visitantes, conheci pessoas incríveis. Um místico cruzou nossas vidas em um período delicado e me deu uma mensagem excelente para esta ocasião, mas me prometa que só a lerá quando realmente for a hora.
Assim, o criado entregou um bilhete ao jovem Rei, pedindo para que ele escondesse no anel e só lesse quando sentisse que era a hora.
Assim o fez.
Como era jovem, os inimigos do reino logo aproveitaram e tiraram vantagem, invadindo e fazendo o recém-coroado perder a batalha. Na fuga, fora perseguido a cavalo, os inimigos eram numerosos e estavam destinados e não deixar que o rei saísse vivo. Chegou num local que era um precipício, não havia para onde correr, seria encurralado em breve, já escutava ao longe o trotar dos cavalos.
De súbito, lembrou-se do anel e tirou-o rápido do dedo, pegou o bilhete, eufórico.
Estava escrito:
“Isto também há de passar”.
O silêncio tomou conta de todo o seu arredor, uma calmaria possuiu seu peito e o vento cruzava seu corpo com tranquilidade nunca antes sentida, os sons dos inimigos se distanciavam, pareciam ter se perdido na floresta.
Desacreditado do milagre, pôs novamente o anel no dedo e agradeceu tanto ao criado quanto ao místico mentalmente. Com a dádiva, reuniu seu exército novamente e reconquistou o reino.
Em uma celebração da reconquista, com música, dança, comida e bebida e todos os habitantes agora felizes, livres e tranquilos, o criado se aproximou novamente do Rei e comentou.
– Este momento parece interessante para reler a mensagem.
– O que? - Disse o Rei confuso e irritado - Ela me ajudou, sim, mas não estou em desespero, nem em um momento difícil. Estamos em uma celebração.
– Acredite em mim, essa frase não auxiliará somente em momentos bons, ela serve para todos os momentos, na derrota ou na vitória.
Ele abriu o anel, com um respirar pesado, leu novamente
“Isto também há de passar”.
Sentiu a mesma coisa, um novo silêncio. E ele então entendeu.
Deixando de ser ingênuo, teve contato com a realidade da vida. Tudo passará. Os momentos ruins e bons. Todos eles. Nada permanece. Faz parte da natureza, do universo.
A história termina desta forma, aberta ao leitor também sentir um pouco o gosto e os sentimentos que as palavras que compõem a frase trazem.
Sinto, toda vez que leio, uma calmaria sem tamanho, quase religiosa, de um mantra potente que salva todos os meus momentos de ansiedade.
Isso também há de passar.
Aprendi de uma forma um tanto quanto dura que os momentos mais felizes de nossa vida passam, dão continuidade ao fluxo natural e as coisas marcham pelo tempo, assim como os momentos ruins, por mais que nossa ansiedade torne-os sempre presentes e duradouros.
O budismo tem como um dos conceitos fundamentais o que é chamado de “Impermanência”, a crença de que tudo é transitório e que nada permanece da mesma forma. Há inúmeras formas que encaramos este conceito: lidamos com nós mesmos da mesma forma - não somos os mesmos de ontem e não seremos os mesmos amanhã. Apesar de que, palavras populares sempre encaram as pessoas com uma pitada de “Ele nunca vai mudar”.
Sendo sincero, acredito que todos mudam muito rápido, e tudo muda muito frequente. A impermanência é tanto um conceito religioso quanto um dilema da sociedade atual, tudo flui muito rápido. Mas as problemáticas dessa liquidez hodierna fica para outro texto, me concentro apenas em uma questão, a impermanência budista.
Ao contrário da obsolescência programática, ou dessa modernidade líquida, o desapego do budismo me ensinou que há sempre um caminho mais tranquilo a ser seguido: o caminho da presença. Deixar passar o que já foi, viver o que há, construir o futuro pelo que posso fazer agora.
Quando vemos o conto do sufismo, as palavras do anel podem, para alguns, ser um desespero: Tudo passará.
De fato, até às coisas boas que somos tão apegados. Família, amigos, amores, profissões, paixões. E essa mudança é quase inevitável e por mais que ela perdure, o tempo acaba trazendo resultados.
Senti com força uma frase que dizia quase o mesmo: “O mundo está cheio de ruínas de impérios que acreditavam ser eternos”.
Talvez, apenas talvez.
A gente tenha que deixar passar algumas coisas com muito mais frequência.
Com ruínas, fazemos museus. Criamos novas histórias e damos novos significados, álbuns de fotos, memórias, poesias e músicas.
Deixemos passar o que precisa passar.
Isso também vai passar.
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