O sentir e a tormenta
De uma alma cansada para uma alma cansada;
Sentimento; ação de sentir, de perceber através dos sentidos, de ser sensível, capacidade de deixar impressionar, comover. Emoção.
Tormenta; sofrimento exagerado, em que há
muita aflição, agonia, amargura, excesso de coisas ruins, conjunto de situações
catastróficas. Atormento.
Oi, meu nome é Kaue e eu tenho
total certeza de que se eu te pedir o que é um sentimento, você não vai saber
definir sem antes gaguejar, sem pensar bem, mudar a explicação na metade do
caminho e ainda assim não vai ter uma solução para a minha pergunta. Mas,
ironicamente, você sente que sabe o que é, não sente?
Então... Eu sei que você está se
sentindo meio cansado ultimamente, eu também estou, mas nenhum de nós sabe do
que é, não é mesmo? É tipo explicar... Sabe? É sem ter certeza, mas saber que
está ali. Culpar uma pandemia, mas com o medo que se estenda para além de uma
vacina, para além de um dia ruim, para além de tempos conturbados.
Esse texto é sobre demonstrar
sentimentos.
Todos nós queremos sentir, amamos
quando demonstram conforto em nossa presença, quando alguém realmente fala
“muito obrigado pela companhia”, queremos ser o assunto de um stories, queremos
se sentir desejados, sentidos, afetados. Falamos e abrimos nossas redes
sociais, o twitter, enchemos de inúmeras postagens de reclamações de como a
cultura do cancelamento é um porre, de como nos sentimos reprimidos, de como as
coisas são frustrantes, de como no mundo falta amor, paz e carinho, de como um
casal fazendo uma demonstração de amor é “um padrão de romance tão alto que eu
jamais vou conseguir alcançar”.
Mas, será mesmo que estamos demonstrando
ou realmente se importando com tudo que a gente fala? Ou desejando?
Nós queremos sentir, queremos não
ficar cansados, queremos escrever manifestos sobre nós mesmos, queremos ter
razão, sobre nossos pontos de vista, opiniões, queremos reescrever a realidade,
criar paralelos, criar paranoias e pensar tanto sobre elas, que ficamos
exaustos, que nos cansamos e tomamos todas elas como verdade, como se tudo
fosse um mar de tormenta onde buscamos somente um porto seguro, um cais onde
tudo fique bem de um pensamento para o outro.
E então abrimos a boca... Nada sai.
Quando perguntam, nada sai.
O que nos faz bem, não sai, o que
nos incomoda, fica reprimido como água, até que essa água vai enchendo uma
represa dentro de nossa cabeça a um ponto que ela transborda, ou se rompe
totalmente, em mais angústias, até que nos vejamos presos, repetindo postagens
de como a vida é uma grande desgraça, de como estamos nos sentido mal, mas a
água já se misturou com o ar, com o fogo, com a terra e com o amor, tudo já não
tem mais explicação, parece sem volta, sem explicar, sem saber o que é o
próprio mal. Essa água, antigamente reprimida, já apodrece em nós cada outro
sentido.
Tipo... Mesmo, sem hipocrisia. O
quão sincero você está sendo consigo mesmo? O quão você realmente quer algo? E
o quão você expressa esse algo para outras pessoas?
O movimento que me refiro não é uma
revolução, não é uma luta tão forte e importante quanto o feminismo, quanto um
protesto antirracista, quanto grupos de guerrilha, mas sobretudo, falo de uma
sociedade em introspecção, autocrítica, mas principalmente de sentir o que
tanto se fala.
(E eu não estou falando de
“gratidão”, já está um termo muito batido no dia a dia, em placas, camisas,
copos, casacos, desenhos, postagens etc., etc, etc., afinal, falar é diferente
de expressar, de sentir).
Construo esse pensamento sobre o ponto de vista de que a única forma de criar uma sociedade mais saudável e mais unida, em meu ver, é na demonstração que muito está nos faltando, no esboçar, num movimento de dentro pra fora e de fora pra dentro, mutuamente, em que se condiz todos os discursos com o nosso sentimento. De quebrar uma hierarquia de controle sobre as nossas emoções, que um sentir é mais forte que outro, que a coragem tenha que ser melhor que o medo em todos os momentos, que nós temos que sobrepor o que sentimos em importância com o que os outros mostram ou querem, escondendo o que realmente vivemos, sentimos, os fenômenos.
Agora, vêm aqui comigo... Quantas
vezes você já esperou que isso aqui acontecesse? Talvez não nas mesmas
palavras, mas em essência:
Foi na minha própria autocrítica de
pensar que “se a pessoa sentisse minha falta, ela teria me chamado” que percebi
o quão esses pensamentos são uma total tolice, de quanto a gente espera demais
dos outros, em demonstrar e sentir, num narcisismo pra abafar nosso ego, sem
tentar nem se quer levantar um dedo para fora de nosso orgulho e cobrar de nós
mesmos alguma demonstração, queremos ser colocados num pedestal, queremos ter
demonstrações de amores grandiosas... Para quê? Ego?
Deixa-me te fazer uma pergunta novamente:
Se TODAS as 7 bilhões de pessoas do mundo esperassem uma mensagem assim, quem iria
mandá-la? Se todos estão esperando, mas ninguém está agindo, eu não tenho essa
resposta. Mas, penso que, se todos nós quiséssemos tamanhas demonstrações de
amor, alguém também deveria estar dispostas a fazê-las, não?
Não, eu não quero te falar para você literalmente bancar o herói, para ir de mensagem em mensagem em todos da sua vida, mandar essa mesma sequência acima, muito pelo contrário, eu quero que tu realmente separe os seus sentimentos, dê valor a eles, saiba identificar o que realmente é possível, o que é ego, ou o que só é prazer, ou o que pode ser feito, ou mudado.
E eu não estou tentando ser
melodramático (apesar de todos os meus textos serem nesse estilo), não quero me
referir que devemos levar essa mesma intensidade catastrófica do chat acima em
todas as nossas relações, mas quantas vezes nós estamos fazendo algo sem
realmente estar ali? Não aproveitamos o beijo, o abraço, a companhia... O quão
nós queremos ser surpreendidos por um afeto, sabendo que podendo demonstrá-lo
também se recebe o prazer? Ou o quanto deixamos de expressar a felicidade por
momentos simples, deixando que eles sejam rotina, de que não nos causem mais este
mesmo prazer? Ou quantas vezes você postou “minha vida é uma merda” e depois...
Simplesmente fugiu de todos que tentaram te perguntar o porquê, se estava tudo
bem... Tá tudo bem?
Foi nisso, neste perceber, e no
perceber de que talvez eu realmente deva dar mais atenção aos pequenos mínimos
reconfortantes de dia a dia, mais atenção as minhas próprias emoções e menos ao que os outros esperam que seja certo viver, demonstrar e sentir, que percebi que a revolução acontece. Foi a dar
voz para mim mesmo, ao meu sentir, que comecei a me compreender, sobretudo como
humano, sobretudo com alguém que merece ter descansos e dar descansos. Eu estou
sendo sincero comigo mesmo?
Eu sempre me surpreendi o quão bem
eu me sentia quando alguém perguntava sobre como foi meu dia, também me
surpreendi quando eu falava que “bom, foi um dia bom”, mas na real, foi um dos
putos dias mais terríveis da minha vida, mas eu não tinha coragem de demonstrar
isso, não queria, queria esquecer, eu menti, acho que todos mentimos nisso,
então começamos a mentir para nós mesmos, o dia parte a ser bom a partir de
então. Talvez por isso, tentei começar a demonstrar mais atenção na forma que
minha comunicação se dava com as pessoas, nos mínimos detalhes que pude exercer
no cotidiano, num tratamento, numa dúvida tirada no meio da aula. Isso, claro,
depois de muito errar e perceber que eu não estava dando um mínimo
possível para ter uma conversa, não estava ali presente, ou eu realmente não
tinha uma boa estrutura, tentava me basear em ter as mesmas conversas com todo
mundo, da mesma forma, sem considerar a individualidade de cada um, ou a minha
própria.
As vezes, claro, não estamos com
esta vontade de conversar, de estarmos presentes.
E foi ali, também, que percebi que
o sentir negativo também é construído.
DEMONSTRAR o que EU não gosto, onde
NÃO estou disposto a ir é diferente de SENTIR o que eu não gosto, SENTIR o que
não estou disposto a fazer, afinal, o inferno são os outros, mas eles não podem
simplesmente estipular todos os meus contatos, todas as minhas sensações, da
mesma forma que não posso cobrar deles que eles saibam o que eu quero ou
preciso (todo mundo que a sinceridade do outro, mas poucos estão dispostos a admitir que não querem ser tão sinceros assim), se eu não demonstro ou reprimo qualquer tentativa de botar isso para
fora, ou se eu tento ter uma comunicação indireta pois não tenho maturidade (ou
espaço, disponibilidade) de mostrar os meus pontos de vista.
Isto tem um outro lado: o
relacionamento e a opressão em que não temos liberdades para nos abrirmos, para
questionar ou reagir, em que os relacionamentos se tornam tóxicos. Isso, claro,
é um assunto para outro texto, mas fica aqui outra reflexão: Muitas vezes nós
somos os oprimidos desejando bancar os opressores com as outras pessoas. Desejamos
ter controle. Ter sensações que são melhores que as dos outros: os verdadeiros e únicos pontos de vista.
A ansiedade nos corrói em tentar
demonstrar, ainda mais quando vivemos rodeados do “golpe”, onde a expectativa
de ter um futuro falho anula qualquer possibilidade nossa de tentar sermos
felizes no presente, em que precisamos preservar o mínimo de saúde mental, não
tentando, não arriscando, não vivendo, por isso nos preservamos, para arriscar somente quando tivermos certeza que vai
funcionar, num outro dia, assim, tentamos não sentir, não criar problemas,
fugir dos problemas que nós podemos enfrentar, garantir que o “mal dia” possa
parecer um “bom dia”, não pra si, mas para os outros, pois assim nos
convencemos de que foi.
Então, tudo que vivemos parece ser
um paradoxo, onde tudo parece ser terrível para nós, mas quando nos
expressamos, tudo parece ser bom, ou menos ruim, para que as outras pessoas sejam
convencidas disto. Não sabemos mais nos expressar, não sabemos mais o que é
nosso, o que é de fora, ou o que pode ser exteriorizado ou internalizado. O que
somos nós? Além de pessoas que estão guardando os próprios sentimentos para nos
afogarmos em nós mesmos?
Pense o sentimento, o próprio
sentir, como uma arte abstrata, expressionista, surrealista e bem disforme, sem
formas fixas, sem círculos, somente artes jogadas em pinceladas na tela. Ela
não tem formas, não é objetificada, não é cabível de explicações e conceitos.
Mas ela está ali, sua composição de cores, mesmo sem ser definida, causa
impactos, desmancha na tela tudo que foi reprimido e o que não foi. Assim, é,
portanto, um sentimento. Algo que todo mundo sabe, até pedir que expliquem.
Portanto, não pense em como
demonstrar, demonstre, que os sentidos se criam, como uma arte interpretativa,
mas que sempre pode sofrer releituras. Pense em não mentir, não para si, não
para os outros, não pensar que um texto é só uma unificação de inúmeros
conceitos, palavras, frases, desconexos um dos outros e que, se mudar apenas um
deles, todo o resto ficará bom. Um texto é uma união de um todo, que só faz
sentido sendo pelo todo, não pela soma de suas partes. Que precisa ser
reescrito quando acha erros, ou entra em um novo idioma, dialeto.
Pra você, que assim como eu,
escreve, ou pelo menos gosta de escrever, sabe o quão difícil é escrever alguma
coisa que você ficou muito tempo pensando, uma poesia, uma ideia do livro, é
tudo perfeito na sua cabeça, mas no esboço do papel, parece tudo tão travado,
falta o sentimento, falta muita coisa... E então? Bom, isso é basicamente um
sentir.
No final, o que importa não é como
você escreve, mas o quão sincero essa transmissão das suas ideias ocorre, o quão
transparente elas são. Isso, é o sentir.
Portanto, sinta e saiba que tens que sentir para ti, quebre a hierarquia de sentimentos que você guarda, que algo deve ser mais ou menos importante de ser sentido, mas simplesmente sinta, VOCÊ não precisa desejar ser o melhor do mundo, não precisa ter bons dias sempre, não precisa ser produtivo sempre, não precisa querer amor sempre, ou não precisa dar amor sempre, mas você precisa sentir isso, sentir o que quer, o que os outros querem, o que esse querer influencia sobre as suas ações para que se crie você mesmo. Afinal, não tem como “sentir nada” a todo momento (E, caso isso aconteça, por favor busque ajuda o mais rápido possível), mas você precisa entender como estes sentimentos se criam e a verdade que eles se dão por um processo, um processo natural da vida, que seus sentimentos fazem parte de ti e te estruturam.
Esse texto se chama "O sentir e a Tormenta" por um único motivo: NÓS NOS ATORMENTAMOS, nos culpamos, nos doemos por sentir, ou nos machucamos pela falta deste sentir, quando guardamos tudo no peito, dentro de nós, quase explodindo, quase como se a represa fosse romper a qualquer momento. Então... Tudo parece estar sendo corroído, como uma péssima dose de ansiedade, pois tudo é uma tempestade que parece ser pior ainda caso outros saibam o que sentimos, pois levaremos a tempestade para outros pontos, para outras pessoas, querendo que alguém chegue, com um bom navio, atravesse e fale "Não, não, não, vai ficar tudo bem aqui".
Demonstre e seja sincero, as
pessoas sempre buscam sinceridade, mas poucas estão dispostas a ser sinceras,
eu também não estou, sou totalmente passível do erro que tanto falo, bem capaz
de não fazer muitas das coisas que daqui escrevi, mas eu precisava ter esta
ideia concretizada para trabalhar em minha própria hipocrisia.
Fica para outro momento, quando eu
tiver mais bases e referências para falar sobre o quão o desejo dos outros influencia
sobre nós, sobre como as pessoas colocam muita expectativa sobre nós mesmos e isso
muda totalmente o que nós temos de perspectiva na vida, os sonhos que almejamos.
O texto fica por aqui, com um sentimento de: espero estar sentindo minha vida
com a intensidade que ela merece, sem mesclar ou reduzir nenhuma sensação.
E você o que pensa disso? Discorda?
Concorda? Ótimo
Quero que crie suas próprias
conclusões, ou discuta comigo.
Dúvidas? Alguma confusão? Ficaria
feliz em saber.
O artista incrível dessas obras é o:
@ericokmf
Agradeço imensamente pelo trabalho, que deu vida e verdadeiro sentimento a tudo que quis passar aqui.
REFERÊNCIAS E INSPIRAÇÕES.
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